Nuno Pacheco, em Público, 4/2/2008
Quando se ouviram as primeiras notícias, houve quem as interpretasse como elogio metafórico ao par de ministros que nessa manhã tomaria posse. Dois tigres à solta? Agora sim, finalmente o país podia arribar. Mas não era nada disso, como se viu. Havia mesmo dois tigres à solta, daqueles às riscas, de Bengala mas não trôpegos, que tinham aproveitado uma súbita e inesperada abertura da jaula. Que mão misteriosa aliviara os rodízios? Que perfídia contra a Pátria mente doentia engendrara, ainda para mais nessa manhã solene de tomada de posse? Seria algo como os longínquos pregos na estrada da ainda mais longínqua greve geral, mas em versão zoológica, para acicatar o pânico? Ou seria, como já se anedotava nas tabernas da zona, que algum grupo de fanáticos adeptos dos ministros cessantes soltara os tigres para que comessem os novos antes da posse, abortando de forma sangrenta a remodelação em curso?
Enquanto os humanos se entretinham nestas elucubrações esvaziadas de sentido, os tigres experimentavam a doce sensação da liberdade. Dentro da jaula, os seus pares tinham-nos avisado: lá fora é perigoso. Eles, um casal sem comprometimento óbvio (tigre macho e fêmea, disseram depois os jornais), não quiseram saber. Destemidos, como os pinguins de Madagáscar, queriam mesmo conhecer o mundo para lá da jaula e do circo onde tinham de fazer umas habilidades para ganhar a vida. Além do mais, os donos das tendas, levando à letra pareceres da procuradoria (coisa que ninguém faz, evidentemente), tinham-lhes recusado subsídio de exclusividade só porque eles, de forma dedicada e gratuita, tinham pequenos arranjos por fora, ora substituindo o Hobbes do Calvin durante as férias, ora o leão da Metro em filmes de menor importância, com a devida maquilhagem e peruca.
Por isso arriscaram. Empurraram com a pata a porta já entreaberta, saltaram a estrada e fizeram-se ao mundo. Talvez ainda pudessem espreitar a tomada de posse, só para saber como era (no circo, não havia remodelações, a não ser por morte, tinham-nos nomeado tigres vitalícios). Mas os humanos não mostraram grande disposição para veleidades felinas. Primeiro entraram em pânico, pelo menos os que não puderam logo entrar num carro e fugir dali. Depois chamaram a GNR, os bombeiros, a protecção civil. Não chamaram o exército, mas também não adiantava, porque este estava de prevenção para acudir com fanfarras ao centenário do regicídio (embora depois não acudisse, porque a Defesa teve um frémito republicano e proibiu tudo).
O que se seguiu, na aventura dos tigres, não desmereceu as proezas do circo. Domadores, forças militarizadas, bombeiros e populares mais afoitos (dizendo "eu vi um tigre" com a entoação infantil de "eu vi um sapo") andaram às voltas para encontrar sedativos. Que estavam num lado, enquanto a espingarda estava noutro, juntar os dois foi o cabo dos trabalhos. Um helicóptero da televisão assustou um dos tigres, que se feriu numa pata. Quando as picadas chegaram, já quase as desejavam. Antes a agulha do que uma bala. Com os humanos, nunca se sabe.
Quando se ouviram as primeiras notícias, houve quem as interpretasse como elogio metafórico ao par de ministros que nessa manhã tomaria posse. Dois tigres à solta? Agora sim, finalmente o país podia arribar. Mas não era nada disso, como se viu. Havia mesmo dois tigres à solta, daqueles às riscas, de Bengala mas não trôpegos, que tinham aproveitado uma súbita e inesperada abertura da jaula. Que mão misteriosa aliviara os rodízios? Que perfídia contra a Pátria mente doentia engendrara, ainda para mais nessa manhã solene de tomada de posse? Seria algo como os longínquos pregos na estrada da ainda mais longínqua greve geral, mas em versão zoológica, para acicatar o pânico? Ou seria, como já se anedotava nas tabernas da zona, que algum grupo de fanáticos adeptos dos ministros cessantes soltara os tigres para que comessem os novos antes da posse, abortando de forma sangrenta a remodelação em curso?
Enquanto os humanos se entretinham nestas elucubrações esvaziadas de sentido, os tigres experimentavam a doce sensação da liberdade. Dentro da jaula, os seus pares tinham-nos avisado: lá fora é perigoso. Eles, um casal sem comprometimento óbvio (tigre macho e fêmea, disseram depois os jornais), não quiseram saber. Destemidos, como os pinguins de Madagáscar, queriam mesmo conhecer o mundo para lá da jaula e do circo onde tinham de fazer umas habilidades para ganhar a vida. Além do mais, os donos das tendas, levando à letra pareceres da procuradoria (coisa que ninguém faz, evidentemente), tinham-lhes recusado subsídio de exclusividade só porque eles, de forma dedicada e gratuita, tinham pequenos arranjos por fora, ora substituindo o Hobbes do Calvin durante as férias, ora o leão da Metro em filmes de menor importância, com a devida maquilhagem e peruca.
Por isso arriscaram. Empurraram com a pata a porta já entreaberta, saltaram a estrada e fizeram-se ao mundo. Talvez ainda pudessem espreitar a tomada de posse, só para saber como era (no circo, não havia remodelações, a não ser por morte, tinham-nos nomeado tigres vitalícios). Mas os humanos não mostraram grande disposição para veleidades felinas. Primeiro entraram em pânico, pelo menos os que não puderam logo entrar num carro e fugir dali. Depois chamaram a GNR, os bombeiros, a protecção civil. Não chamaram o exército, mas também não adiantava, porque este estava de prevenção para acudir com fanfarras ao centenário do regicídio (embora depois não acudisse, porque a Defesa teve um frémito republicano e proibiu tudo).
O que se seguiu, na aventura dos tigres, não desmereceu as proezas do circo. Domadores, forças militarizadas, bombeiros e populares mais afoitos (dizendo "eu vi um tigre" com a entoação infantil de "eu vi um sapo") andaram às voltas para encontrar sedativos. Que estavam num lado, enquanto a espingarda estava noutro, juntar os dois foi o cabo dos trabalhos. Um helicóptero da televisão assustou um dos tigres, que se feriu numa pata. Quando as picadas chegaram, já quase as desejavam. Antes a agulha do que uma bala. Com os humanos, nunca se sabe.