A história de Gabriel García Márquez em Lisboa, por Ricardo J. Rodrigues
No Verão Quente de 1975,
Gabriel García Márquez veio passar duas semanas a Portugal. Encontrou-se com
escritores e poetas, comoveu-se com o processo revolucionário e escreveu três
reportagens para a revista que ele próprio tinha fundado, um ano antes, na
Colômbia. Relato de uma viagem esquecida, reconstruída a partir de Lisboa,
Bogotá e Cartagena de Índias.
O postal de García Márquez
chegou ao destino três semanas depois de enviado. Era uma fotografia da Ponte
25 de abril, com o Cristo Rei em fundo, e dizia apenas isto: «Lisboa é a maior
aldeia do mundo. Quando chegar, conto-te desta revolução.» Juan Gossaín - um
dos mais notáveis jornalistas colombianos e amigo do escritor desde os anos
cinquenta - recebeu o correio na sua casa de Cartagena de Índias e não pôde
deixar de sorrir. Gabriel, a quem trata carinhosamente por Gabo, tinha chegado
à Colômbia muito antes da correspondência. E a viagem a Portugal já tinha sido
largamente discutida numa conversa telefónica, dias antes. «Tenho pena, perdi
esse postal há décadas, numa mudança de casa.» Mas, por uma questão de
provocação, Gossaín nunca o esqueceu: «Desde esse tempo, sempre que nos
encontramos, despeço-me de Gabo dizendo que ele ainda me deve uma conversa
sobre Lisboa.»
García Márquez aterrou no
aeroporto da Portela no primeiro dia de junho de 1975, proveniente de Roma.
«Tive a sensação de estar a viver de novo a experiência juvenil de uma primeira
chegada. Não só pelo verão prematuro em Portugal e pelo odor a marisco, mas
também pelos ventos e pelos ares de uma liberdade nova que se respiravam por
toda a parte.» Estas palavras publicou-as ele, um mês mais tarde, na revista Alternativa,
um semanário criado por si e por um grupo de intelectuais da esquerda
colombiana, no ano anterior. «Por esta altura já tinha escrito Cem Anos de
Solidão, era um romancista reputado e estava envolvido em muitas
organizações internacionais», conta em Bogotá o jornalista Antonio Caballero,
outro dos fundadores. «Viajava pelo mundo fora, ou a promover a sua obra ou em
reuniões de trabalho. E às vezes ficava mais dois ou três dias num sítio para
fazer peças jornalísticas.» Em Portugal, permaneceu duas semanas.
É preciso dar muitas voltas à
capital colombiana para encontrar os textos que Gabo escreveu sobre Lisboa. Na
Rua 21 há uma série de alfarrabistas, mas é praticamente impossível encontrar
uma edição da Alternativa. «Tivemos governos de direita muito fortes, e
ter uma edição destas podia indicar que a pessoa era subversiva e perigosa»,
conta don Jimeno, dono da Libreria Mundial, que todos conhecem por
Libreria Obscura - porque era ali que no final dos anos setenta se vendiam as
obras da esquerda mais radical. Não só não tem uma única cópia para vender,
como há anos não põe os olhos em cima de uma dessas revistas. Tente-se a
biblioteca do Centro Cultural García Márquez, no bairro histórico da
Candelária. Nada.
Dois quarteirões acima reside
a derradeira esperança: a hemeroteca. E é então que, encadernados num livro
azul e pesado, se encontram os números 40, 41 e 42, publicados em 30 de junho,
7 e 14 de julho de 1975, respetivamente. Não podem ser digitalizados, mas podem
ser fotocopiados. Fazem-se algumas fotografias à socapa, com o telemóvel. Um
artigo chama-se «Portugal, território livre da Europa» e é pura reportagem,
descrições de ambientes, de cheiros e das vivências de rua. Outro, «O
socialismo ao alcance dos militares», um ensaio sobre a revolução portuguesa e
o facto de as Forças Armadas terem organizado um golpe sem quererem guardar o
poder para si. E ainda há um texto sobre o xadrez político do período
revolucionário, as pressões europeias e americanas, os movimentos de
organização popular. O título dessa reportagem, a segunda, encerra uma daquelas
perguntas que ficaram até hoje por responder: «Pero que carajo piensa el
pueblo?»
A maior aldeia do
mundo
Gabo tinha chegado a Lisboa
depois de um voo atribulado. «Ele tinha um medo danado de viajar de avião, até
chegou a escrever uma crónica sobre o assunto», conta Jaime García Márquez,
irmão do escritor, no alto de um terraço com vista para a catedral de Cartagena
de Índias. Está um dia quente e húmido, como são todos os dias na cidade
caribenha. O escritor mora parte do ano ali perto, numa casa de muros vermelhos
e altos. Não dá entrevistas, não faz aparições públicas e, anunciou o irmão
mais novo, não voltará a escrever. Tem 86 anos e um diagnóstico de demência que
lhe secou as palavras. «Pois Gabo, que nunca foi religioso, nesse voo para
Portugal encomendou duas ou três vezes a alma à Virgem de Guadalupe. Ele
costumava dizer que o único medo que um latino confessa é o de viajar de avião.
E é verdade.»
Ao lado de Gabriel García
Márquez viajava Alfonso Fuenmayor, um jornalista de Barranquilla, de quem se
tornara amigo, duas décadas antes, na redação do El Heraldo. Nesse
tempo, Gabo era vice-presidente do Tribunal Russell, o tribunal internacional
de crimes de guerra. Com a chegada de Pinochet ao poder no Chile e a ditadura
militar brasileira numa das fases mais ferozes, havia a hipótese de abrir uma
secção para a América Latina em Lisboa. Alfonso, que andava em viagem pela
Europa, veio para dar uma ajuda na avaliação. Mas com o Verão Quente em pleno,
a instabilidade política no país encarregar-se-ia de anular o projeto.
Ficaram instalados no Ritz e,
escreveu García Márquez no seu artigo, durante uma boa parte da estada só havia
dois hóspedes no hotel - eles. «Lisboa é uma das mais belas cidades do mundo e,
até há um ano, era também uma das mais tristes, por obra de uma rara ditadura
medieval que durou quase meio século e cuja força se fundava numa polícia
política inclemente. É um país de pobres que enfrenta obstáculos terríveis e
uma pressão tremenda. Por causa da sua posição geográfica, está obrigado a
sentar-se de sapatos rotos e casaco remendado na mesa dos mais ricos e
sofisticados do mundo.» Gabo considerava que a sociedade portuguesa era mais
próxima da sul-americana, mas que o país tinha uma espada sobre a cabeça para
se tornar europeu. «Nos restaurantes caros, os mariscos exibem-se como joias
nas vitrinas, mas são intocáveis, um luxo burguês. Nos restaurantes populares,
onde se come um delicioso arroz com sangue de galinha, os empregados debatem-se
com uma dúvida: no regime atual, é justo que recebam gorjeta?»
Um dia depois da sua chegada
a Lisboa, os primeiros deputados eleitos em liberdade tomavam posse no
Parlamento. Gabo decidiu fazer a cobertura da sessão solene de abertura da
Assembleia Constituinte e, aí, cruzou-se com alguns dos mais emblemáticos nomes
das letras portuguesas. Juntou-se um grupo que acabaria por ir jantar nessa
noite à Varanda do Chanceler, um restaurante de Alfama (o mesmo onde Natália
Correia haveria de apresentar Francisco Sá Carneiro a Snu Abecassis). No
repasto estavam José Cardoso Pires, Fernando Namora e Luís de Sttau Monteiro.
Também estava presente o poeta José Gomes Ferreira, na altura presidente da
Sociedade Portuguesa de Escritores.
Esse encontro com García
Márquez causou forte impressão em Gomes Ferreira. O poeta português - cujo
poema Acordai, musicado por Lopes-Graça, tem servido de hino a vários
protestos recentes - escreveria até algumas notas, após uma conversa com o
escritor colombiano. Estes escritos nunca foram publicados, são inéditos e
íntimos, papéis em bruto. Foram cedidos pelo seu filho, o arquiteto Raul
Hestnes Ferreira. «García Márquez, à despedida, disse-me: "Buena sorte!"
Tremi. O García Márquez: "Os portugueses são muito parecidos com os
latino-americanos. Os espanhóis são mais severos, mais hirtos. Mais senhores
solenes. Anos de tempestades".» Em 3 de junho, nova entrada no
diário, um quase-poema: «Quando o García Márquez se despediu, desejando-me buena
sorte, lembrou-se do Chile. Felizmente é a própria morte que me defende da
morte. Que me importa viver mais um dia ou menos um dia? Sim, importa - diz-me
a boca de uma nuvem que me acompanha noite e dia.»
O que vai dar cabo da
revolução é a conta da luz
A partir daquele jantar na
Varanda do Chanceler, Gabo não voltou a estar sozinho em Lisboa. «Entre
entrevistas com Vasco Gonçalves, Melo Antunes e Saramago, que nessa altura
estava no Diário de Notícias [era director adjunto]», lembra Ernesto
Santos Calderón, um dos mais importantes jornalistas da Colômbia, um dos
melhores amigos de García Márquez e um dos fundadores da Alternativa,
«também fez muitos amigos e divertiu-se bastante em Lisboa».
José Carlos Vasconcelos,
diretor do Jornal de Letras, lembra-se de ver o escritor colombiano na
festa de aniversário de José Gomes Ferreira, na noite de 9 para 10 de junho, e
novamente na Varanda do Chanceler. «Brincávamos todos juntos a dizer que o
Gomes Ferreira tinha a mania das grandezas, queria nascer no dia de Camões.»
Maria Velho da Costa conheceu García Márquez em casa de Sttau Monteiro. «Aquilo
era para ser uma festa, mas estava a tornar-se numa tertúlia, era uma chatice
tremenda. Às tantas Gabo perguntou-me se queria fugir dali.» Despediram-se
rapidamente, saíram, apanharam um táxi para o Bairro Alto. «A minha memória
funciona por imagens fotográficas», diz a escritora. «Lembro-me de descermos a
rua em conversa animada. Lembro-me de que ele usava um fato de ganga, calças e
casaco. E lembro-me de ficarmos umas boas horas num bar, a conversar e a beber whisky.»
Às tantas, o colombiano disse que à revolução portuguesa não faltava heroísmo,
faltava prudência e imaginação. «Então estamos bem tramados», respondeu Maria
Velho da Costa. «Porque o povo português é como o diabo, sabe mais por velho do
que por ser povo.» Essa sentença, descobriu a escritora portuguesa há uns dias,
foi a frase com que García Márquez rematou a sua última reportagem em Portugal.
A amizade mais estreita de
Gabo em Lisboa era, no entanto, com o autor de Balada da Praia dos Cães.
Tinham-se conhecido anos antes em Londres, quando ambos trabalhavam para o
serviço internacional da BBC. Edite Cardoso Pires recorda-se dos encontros no
terraço do Hotel Mundial, com vista para o Martim Moniz, epicentro da
multiculturalidade da cidade. «A influência negra é notável em Portugal,
manifesta-se mesmo no caráter dos portugueses», escreveu García Márquez. «E
todo o país está saturado pela música quente de Cabo Verde e Angola, que parece
a música do nosso trópico.» Era 1975, ano de independência das colónias. Gabo
apanhou em cheio a chegada de refugiados, portugueses e africanos, e o regresso
de soldados do ultramar. Em 1976, haveria de viajar várias vezes para Angola e
escrever um artigo para a Alternativa sobre os novos ares de liberdade e
as pressões que vinham de fora, fossem elas de Cuba ou da África do Sul.
A teoria que Gabo expressou
nos seus textos não era apenas a de um país cercado, era também o de um país
dividido. «Desde a praça do Rossio até ao canto mais remoto e esquecido da
província, não há um centímetro de parede, nem um sinal de trânsito, nem o
pedestal de uma estátua que não tenha sido pintado com uma mensagem política.
Os comunistas pedem unidade sindical. Os socialistas dizem que socialismo sim,
mas com liberdades. A extrema-esquerda protesta contra o imperialismo
capitalista, os liberais dizem que o voto é a arma do povo e os anarquistas
contestam,que a arma é que é o voto do povo. À noite, a reação lança granadas
contra as lojas, envenenando o mundo inteiro com o rumor infame que o Portugal
formoso e tranquilo das canções morreu.»
Ao mesmo tempo, o povo
parecia querer ignorar as rivalidades, entregando-se à embriaguez feliz de
Abril: «O erotismo invadiu os cinemas e os quiosques de jornais, fazendo que
milhares de espanhóis atravessem ao fim de semana a fronteira para poderem ver
o filme mais proibido em Madrid, O Último Tango em Paris. Lisboa
tornou-se uma cidade movimentada, com acidentes de viação espetaculares, não só
porque os portugueses conduzem de uma maneira intrépida, mas também porque
estão genuinamente contentes - e por isso deixaram de respeitar os semáforos.»
Há uma prudência enorme nos
textos de Gabo sobre Lisboa, o escritor quase anuncia que a Revolução tem os
dias contados, que a Europa, os Estados Unidos e as divisões internas
arrastarão inevitavelmente o país para longe da sua essência. García Márquez
teme o rumo que as elites estão a tomar, mas encontra nobreza no povo. «Toda a
gente fala e ninguém dorme, às quatro da manhã de uma quinta-feira qualquer não
havia um único táxi desocupado. A maioria das pessoas trabalha sem horários e
sem pausas, apesar de os portugueses terem os salários mais baixos da Europa.
Marcam-se reuniões para altas horas da noite, os escritórios ficam de luzes
acesas até de madrugada. Se alguma coisa vai dar cabo desta revolução é a conta
da luz.»
O mais belo dos
ofícios
«Sou fundamentalmente um
jornalista», disse o maior romancista colombiano, há 22 anos, numa entrevista a
uma rádio de Bogotá. «O jornalismo é uma paixão insaciável que só pode ser
digerida e humanizada no confronto descarnado com a realidade. Quem não tiver nascido
para isto, quem não estiver disposto a viver exclusivamente para isto, jamais
poderá permanecer neste ofício incompreensível e voraz, cuja obra termina após
cada notícia, como se fosse para sempre, mas que não concede tréguas até
começar tudo de novo, com mais ardor do que nunca, no minuto seguinte.» Gabo,
que se tornou um dos escritores mais influentes do mundo, que ganhou um Nobel a
escrever ficção, sempre considerou que a melhor das narrativas era a realidade.
As suas reportagens sobre
Lisboa não tiveram grande impacte na Colômbia, mas ele insistiu sempre na
necessidade de escrever histórias como aquelas para que lentamente os
horizontes dos cidadãos se abrissem. «As edições que tinham estes temas
internacionais eram as que menos vendiam», recorda Enrique Santos Calderón.
«Mas Gabo tinha avançado com o dinheiro e queria escrever sobre Portugal, como
depois quis escrever sobre Cuba e mais tarde sobre Angola.» O seu interesse
sobre o país tinha mais de um ano. «Entre 1968 e 1974, García Márquez viveu em
Barcelona, foi lá que escreveu OOutono do Patriarca. Logo a seguir à
Revolução dos Cravos, ele pegou no carro e foi até à fronteira portuguesa, mas
não o deixaram entrar porque não tinha visto.»
Desde o final de 1973 que o
homem andava em trânsito: Barcelona, Bogotá e Cartagena de Índias. No ano
anterior tinha ganho, com Cem Anos de Solidão o prémio literário
venezuelano Rómulo Gallegos, o mais importante da América Latina, no valor de
cem mil dólares. Uma parte desse dinheiro foi usada para fundar a revista Alternativa.
«Depois da morte de Allende e da subida ao poder de Pinochet, tornara-se claro
que a esquerda na América Latina precisava de esquecer as divisões e de se unir
em torno de um projeto comum», explica Antonio Cavallero. «No primeiro número, em
fevereiro de 1974, esgotámos a edição e num instante chegámos aos quarenta mil
exemplares. A nossa filosofia era dar uma visão de esquerda, mas tratar os
assuntos com rigor.»
Portugal foi a primeira
grande reportagem no estrangeiro da Alternativa. Nos anos seguintes,
García Márquez haveria de escrever artigos sobre Cuba, Angola, Espanha, Panamá,
Rússia e Vietname. «Não quero um boletim sindical, quero um jornalismo sério e
comprometido até ao tutano», repetia uma e outra vez, nas reuniões que se prolongavam
até altas horas da noite, em casa de Enrique Santos Calderón. As rivalidades
internas e as pressões do governo fizeram Gabo desistir do projeto em 1980 e
mudar-se para a cidade do México. Até 1978, a presidência de Alfonso López
tinha dado alguma margem de manobra à Alternativa. A subida ao poder do
governo conservador de Julio César Turbay coincidiu com o aperto do cerco ao
escritor. Algumas figuras poderosas do país, nomeadamente a família Santo
Domingo, anunciaram cortes de relações. «A saída da Colômbia foi um exílio não
declarado», diz Jaime Abelló, presidente da Fundação de Novo Jornalismo
Ibero-Americano, que ambos fundaram em Cartagena de Índias há 19 anos.
Jaime García Márquez é
perentório: «O período mais político da vida do meu irmão começou com a
revolução cubana e terminou com o fim da revista Alternativa.» Ao
contrário do senso comum, diz ele, Gabo nunca foi comunista. «Era amigo de
Fidel Castro, sim, mas também se dava com Henry Kissinger [secretário de Estado
norte-americano entre 1969 e 1977], apesar de discordar dele. Fascinavam-lhe as
lutas de classes, as transformações sociais, a ascensão do povo, tanto quanto
era fascinado pelo poder. Toda a sua obra, de Cem Anos de Solidão a OOutono
do Patriarca, passando por O General no Seu Labirinto e Ninguém
Escreve ao Coronel, fala da solidão do poder, da subida ao poder e das
vítimas do poder.»
Juan Gossaín, o jornalista
que recebeu um postal lisboeta de Gabo, acredita que houve um pouco desse
fascínio no seu encantamento por Portugal. «A ele sempre lhe fascinou a ideia
do ditador e, comparado a Franco, Salazar era mais tropical. Lisboa parecia uma
cidade do Caribe e a figura de Spínola, que no fim do século xx ainda usava
monóculo, era digna do realismo mágico dos seus livros.» Esta, diz Gossaín, era
a conversa antes de partir para Portugal. Quando voltou, vinha doido com três
descobertas: o Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, os fados de
Amália e o despojamento dos militares em relação ao poder. «Mas a primeira
coisa que ele me disse foi que, ao contrário do que eu pudesse pensar, a
feijoada não era um exclusivo brasileiro. E garantiu-me que comeu a melhor
feijoada da sua vida num restaurante que não tinha mais de seis mesas, num
bairro pobre de Lisboa.»
Crónica de uma morte
anunciada
O anúncio feito por Jaime
García Márquez em julho do ano passado causou alguma consternação no mundo
literário. Aos 85 anos, o mais lido dos autores latino-americanos e um dos
romancistas mais reconhecidos do mundo deixou de escrever. Não é bem uma morte,
mas é um ponto final em tudo o que definiu a sua vida. A sua autobiografia
chamava-se, precisamente, Viver para Contá-la.
Nascido em 1927 em Aracataca,
no Caribe colombiano, Gabriel foi o mais velho de 12 irmãos. Estudou Direito em
Bogotá, mas, aos 21 anos, decidiu abandonar os estudos para se dedicar ao
jornalismo. Mudou-se para Cartagena de Índias e empregou-se no El Universal.
Daí rumou a Barranquilla, outra cidade caribenha, onde escreveu uma crónica que
deu nas vistas, «Septimus». Até que, ao serviço de um dos principais jornais do
país, El Espectador, se tornou conhecido em todo o país. Ao longo de uma
série de 14 episódios contou a história do naufrágio de um barco e conseguiu
com isso pôr em causa todo o governo colombiano. Os fascículos haveriam de ser
reunidos no livro Relato de Um Náufrago.
Depois da afronta ao
executivo, o jornal decidiu enviá-lo como correspondente para a Europa. Foi aí
que o homem começou a dedicar-se seriamente à escrita. Em 1955, já tinha
publicado um romance que escrevera aos 18 anos, LaHojarasca e, em 1967,
edita Cem Anos de Solidão, um romance centrado na imaginária terra de
Macondo e das sete gerações da família Buendía. Considerada a obra maior do
realismo mágico, até hoje, é indubitavelmente o livro de referência de Gabo.
Graças a este romance e a O Outono do Patriarca [1975], ganhou todos os
prémios que podia ganhar, incluindo o Nobel da Literatura, em 1982.
Voltou ao jornalismo em 1974,
para fundar a revista Alternativa, aventurando-se no jornalismo
político. Aproveitou a sua reputação para viajar pelo mundo e, nesse contexto,
veio a Lisboa em 1975, perceber a revolução e o período que se lhe seguiu.
Apesar de ser já uma figura de proa das letras mundiais, essa viagem foi
praticamente ignorada em Portugal, merecendo referências brevíssimas no Diário
de Notícias, Jornal de Letras e no extinto Diário Popular. Em
1980, abandonaria o jornalismo, ao qual só voltaria em 1994, para fundar com
Jaime Abelló uma fundação em Cartagena de Índias que promovesse a ética
profissional e a investigação na América Latina e na Península Ibérica.
Crónica de Uma Morte
Anunciada, Do Amor
e Outros Demónios, OGeneral no Seu Labirinto, O Amor nos Tempos
de Cólera e Memórias das Minhas Putas Tristes são algumas das suas
obras mais relevantes. Há um mês, saiu na Colômbia uma coletânea de reportagens
de Gabriel García Márquez, com o título Gabo Periodista. Reúne crónicas,
reportagens e ensaios. Entre os trabalhos publicados não há registo de nenhuma
das histórias que escreveu sobre Portugal.
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