O Senhor Presidente da República resolveu, no
seu alto critério e segundo as normas constitucionais, designar-me para a
presidência do Conselho de Ministros. Afastado há bastante anos da vida pública
essa escolha surpreendeu-me. Tenho a consciência do que valho e do que posso e
nunca poderia considerar-me à altura das gravíssimas responsabilidades deste
momento histórico.
Em todo o mundo e em qualquer país são hoje bem
pesadas as funções do governo. Mas que dizer quando se trata de suceder a um
homem de génio que durante quarenta anos imprimiu à política portuguesa a marca
inconfundível da sua poderosíssima personalidade, dotada de excepcional vigor
do pensamento, traduzida por uma das mais eloquentes expressões da nossa língua
e senhora de uma vontade inflexível e uma energia inquebrantável que ao serviço
do interesse nacional não tinha descanso nem dava tréguas?
Compreende-se bem que, sem falsa modéstia, eu
tenha hesitado em aceitar o esmagador encargo. Mas a lúcida serenidade do Chefe
do Estado que a Providência proporcionou ao País nesta hora, venceu os meus
escrúpulos. A vida tem de continuar. Os homens de génio aparecem
esporadicamente, às vezes com intervalos de séculos, a ensinar rumos, a
iluminar destinos, a adivinhar soluções, mas a normalidade das instituições
assenta nos homens comuns. O País habituou-se durante largo período a ser
conduzido por um homem de génio; de hoje para diante tem de adaptar-se ao
governo de homens como os outros.
Alguém teria de arcar com as dificuldades dessa
nova fase da vida constitucional. Desde que nas presentes circunstâncias quem
de direito me chamou a assumir as duras responsabilidades do momento, entendi
não poder fugir a elas. Pensei no povo português que, bem o tem demonstrado
pela sua exemplar conduta cívica nesta ocasião, anseia antes de tudo por que se
mantenha a independência nacional, a integridade do território, a ordem que
permita o trabalho e facilite a aceleração do progresso material e moral.
Pensei particularmente na necessidade de não descurar um só momento a defesa
das províncias ultramarinas às quais me ligam tantos e tão afectuosos laços e
cujas populações tenho presentes no coração. Pensei nas Forças Armadas
que vigiam em todo o vasto território português e nalgumas partes dele se batem
lutando contra um inimigo insidioso, em legítima defesa da vida, da segurança,
e do labor de quantos aí se acolhem à sombra da nossa bandeira. Pensei na
juventude a quem as gerações mais velhas têm de ajudar a preparar-se para vencer as árduas dificuldade de um
futuro cheio de interrogações...
Não me falta ânimo para enfrentar os ciclópicos trabalhos que antevejo. Mas seria estulta a pretensão de os levar a cabo sem o apoio do País. Entre as fórmulas lapidares em que o Doutor Salazar concretizou um pensamento cuja riqueza iguala a perene actualidade, encontra-se aquela frase tão divulgada e tão verdadeira, bem adequada a esta hora: «Todos não somo de mais para continuar Portugal».
Esse apoio terá muitas vezes de ser concedido
sob a forma de crédito aberto ao governo, dando-lhe tempo para estudar
problemas, examinar situações, escolher soluções. Outras vezes será solicitado
através da informação tão completa e frequente quanto possível, procurando-se
estabelecer comunicação desejável entre o governo e a Nação.
Neste momento não se estranhará que a minha
preocupação imediata seja a de assegurar a normalidade da vida nacional,
garantir a continuidade da administração pública e, se possível, a aceleração
do seu ritmo, reduzir ao mínimo os factores de crise de modo a podermos vencer
vitoriosamente as dificuldades da ocasião.
Temos de fazer face a tarefas inadiáveis.
Enquanto as Forças Armadas sustentam o combate na Guiné, em Angola e em
Moçambique e nas chancelarias e nas assembleias internacionais a diplomacia
portuguesa faz frente a tantas incompreensões, não nos é lícito afrouxar a
vigilância na retaguarda. Em tal situação de emergência há que continuar a
pedir sacrifícios a todos, inclusivamente nalgumas liberdades que se desejaria
ver restauradas.
Não quero ver os portugueses divididos entre si
como inimigos e gostaria que se fosse generalizando um espírito de convivência
em que a recíproca tolerância das ideias desfizesse ódios e malquerenças. Mas
todos sabemos, pela dolorosa experiência alheia, que se essa tolerância se
estender ao comunismo estaremos cavando a sepultura da liberdade dos indivíduos
e da própria Nação. E que se vacilarmos perante certos ímpetos anárquicos,
correremos o risco de nos vermos cercados de ruínas sobre as quais só um feroz
despotismo poderá vir a reconstruir depois. Se queremos conservar a liberdade
temos de saber defendê-la dos seus excessos, porventura os mais perigosos dos
inimigos que a ameaçam.
O desejo sinceríssimo de um regime em que caibam todos os portugueses de boa vontade não pode pois ser confundido com cepticismo ideológico ou tibieza na decisão. A ordem pública é condição essencial para que a vida das pessoas honestas possa decorrer com normalidade: a ordem pública será inexoravelmente mantida.
Disse há pouco da minha preocupação imediata em
assegurar a continuidade. Essa continuidade será procurada não apenas na ordem
administrativa, como no plano político. Mas continuar implica uma ideia de
movimento, de sequência e de adaptação. A fidelidade à doutrina brilhantemente
ensinada pelo Doutor Salazar não deve confundir-se com o apego obstinado a
fórmulas ou soluções que ele algum dia haja adoptado.
O grande perigo para os discípulos é sempre o de
se limitarem a repetir o Mestre, esquecendo-se que um pensamento tem de estar
vivo para ser fecundo. A vida é sempre adaptação.
O próprio Doutor Salazar teve ensejo, durante o
seu longo governo, de muitas vezes mudar de rumo, reformar o que ensaiara
antes, corrigir o que a experiência revelara errado, rejuvenescer o que as
circunstâncias mostravam envelhecido. Quem governa tem constantemente de
avaliar, de optar e de decidir. A constância das grandes linhas da política
portuguesa e das normas constitucionais do Estado não impedirá pois o governo
de proceder, sempre que seja oportuno, às reformas necessárias.
Entro a exercer as árduas funções em que fui
investido animado de uma grande fé. Fé na Providência de Deus sem cuja
protecção são vãos os esforços dos homens. E fé no povo português que espero
firmemente saberá corresponder ao apelo de quem, com absoluto desinteresse,
apenas deseja servir a sua Pátria e fazer quanto possa para ajudar os seus
concidadãos numa hora difícil a prosseguir no caminho penosamente trilhado da
dignidade, da paz e da justiça social.
Temos de cerrar fileira, aquém e além-mar, para
avançarmos juntos, com prudência, sim, mas seguramente. A divisão pode-nos ser
fatal a todos. A dispersão enfraquecer-nos-á sem remédio. Saibamos ser dignos
desta hora. O mundo tem os olhos postos em Portugal: a dignidade do Povo
Português responderá a essa curiosidade ansiosa.
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