Este blogue é uma extensão de Entre as brumas da memória.

domingo, 27 de dezembro de 2015

Acudam à direita que a matam!*




Rui Cardoso Martins, Público, 27/12/2015

Defenestrada a PàF do Palácio do Governo, sequestrado o PS pela, ai que horror Virgem Santíssima, esquerda comunista, só faltava a Paulo Vírgula Portas um novo submarino a explodir na cara dos portugueses: o Banif.

O tempo corre contra o palacete do Largo do Caldas, faz lembrar os cercos revolucionários de 1975, quando da sede do CDS não podia sair ninguém com samarra de gola de raposa sem que a arraia-miúda gritasse:

— Fascista!

Tudo porque Paulo Portas, depois da fase agrícola do Paulinho das Feiras, do impressionante Paulinho Estadista e do recente e hilariante Paulinho Moca de Rio Maior, não parece decidir-se se fica, se sai, da presidência do CDS-PP. O partido aguarda mais uma grande decisão d’“O Suspenso”.
O pior de tudo é que as dúvidas de Portas começaram ainda antes de rebentar o escândalo de lesa-pátria do banco Banif, a banana negra da Madeira. Agora, os graves crimes económicos e as manipulações financeiras e eleitorais cometidos por Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque e pelo governador do Banco de Portugal Carlos Costa poderão resgatar das brumas da memória o grande bancário do PP: Paulinho Jacinto Leite Capelo Rego.

A corte Portassacaduracabralense, reunida na Lapa, está já a preparar argumentos fortíssimos para segurar o Paulo, tido como Condestável e Mestre de Avis em simultâneo. Se tiver de ser, todos sairão com os sinos a dobrar aos gritos pelas ruas de Lisboa, “cidade de muitas e desvairadas gentes”. Berrarão como sapateiros e padeiras em 1383-85, mas agora com pullover amarelo pelas costas. E não havendo um Fernão Lopes para escrever uma inventada chronica do convencymento do pryncipe popular, o mester poderá calhar a Telmo Correia, saído do nunca antes visto grupo parlamentar absolutista-miguelista-neoliberal da PàF, que governou Portugal durante quatro anos e quatro meses. 
E, logo a seguir, já em minoria decadentista, no XXI Governo por mais 29 dias e quatro horas.

É claro que Telmo Correia não poderá dizer, como Fernão Lopes, que “o autor da história não deve ser inimigo mas escrivão da verdade”, uma vez que a verdade não teve nada a ver com a PàF e está à vista de todo o reino de Portugal o embuste colossal que foi a “saída limpa” da troika.

Mas Telmo é a pessoa certa para convencer Portas a continuar a zelar por queques e betos, por Braganças, Avizes, Távoras e Cadavais. O parlamentar prepara uma colecção de argumentos e frases históricas adequadas ao perfil épico, mas difícil, para não dizer “irrevogável” de Portas, quando ele está em “modo marquês”.

Telmo não estará sozinho entalado nas Portas de Lisboa. Também o eurodeputado Nuno Melo colige frases fortes que ajudaram a fazer a história de Portugal. Melo, que curiosamente nasceu em Joane, terra com nome de personagem de pouco juízo em Gil Vicente, abandonou os bólides desportivos e já regressou da peregrinação a pé a Fátima, a Santiago de Compostela e à Terra Santa para pagar a asneira do seu momento humorístico, na noite eleitoral de 4 de Outubro, quando berrou na TV que só restava a António Costa demitir-se depois da grande vitória da PàF.

Nuno Melo tem ainda de decidir se continuará a imitar Portas na maneira de falar, no dia em que tentar ser ele o líder. Mas essa questão do “transforma-se o amador na cousa amada, por virtude do muito imaginar” é para resolver mais tarde.

Por lembrar Camões, ó glória de mandar, ó vã cobiça: a Índia que nos esperava depois de passarmos além do Bojador, dobrarmos as Tormentas e a Taprobana, depois de irmos ainda mais longe do que a Troika, era mais um estúpido buraco de quatro mil milhões de euros na banca. O afundamento da ditosa frota chamada “Que Se Lixem as Eleições!” será o povo a pagar, mais uma vez.

Mas não sejamos piegas. O partido de Paulo Portas não teve problema em suspender o feriado nacional do 1.º de Dezembro, Dia da Restauração de 1640, contra a opinião dos perigosos internacionalistas do PCP e da CGTP. O curioso é que Paulo Portas há muito tomara como seu o desejo expresso por D. Luísa de Gusmão ao seu marido, futuro D. João IV, quando o convenceu a juntar-se aos conjurados:

— Antes ser rainha por uma hora do que duquesa toda a vida.

No caso de Portas:

— Antes ser vice-primeiro-ministro por um mês que irrevogável toda a vida.

O grande problema foi a coligação de direita PàF ter também incorporado a lição oposta, a de Castela, quando Felipe II disse: “Portugal é meu porque o herdei, porque o paguei e porque o conquistei.” Passos Coelho e Paulo Portas criaram uma frase da sua lavra, saída do saber de experiência feito na EDP, no Novo Banco, no Banif, na TAP:

— Portugal é nosso porque o conquistámos e porque o vendemos ao desbarato ao primeiro figurão estrangeiro com dinheiro que nos apareceu.

Os grandes comem os pequenos. Mas mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. E, sobre o que se passou na Tecnoforma, na falsa devolução da sobretaxa, no défice escondido, na falsa “saída limpa”, talvez nos sirva, para o futuro, uma carta de Henrique Galvão a Salazar: “Não te esqueças, meu manholas, que eu já te vi em ceroulas.”

Bom Ano a todos menos a uns.

* Em homenagem ao sistema bancário português, nesta última crónica Personagens de Ficção, o pobre de mim recorreu a várias rapinas no excelente livro Frases Que Fizeram a História de Portugal, de Ferreira Fernandes e João Ferreira (ed. A Esfera dos Livros)

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Visão, 5/2/2015, p.98


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O BCE a atirar a Grécia para fora do euro? (por Helena Garrido)


Ideias inovadoras para resolver a crise do euro que já dura há cinco anos? Era o que mais faltava. Modelo único e antidemocrático é que é. Mesmo que isso tenha ainda mais custos para os contribuintes europeus. Mesmo que isso dificulte ainda mais a vida aos gregos. Mesmo que isso signifique continuarmos todos à espera da prosperidade enquanto a extrema-esquerda e a extrema-direita vão somando votos, uns no Sul da Europa, outros no Norte da Europa.

Foi esta a mensagem que o Banco Central Europeu enviou na quarta-feira ao fim do dia ao anunciar que iria deixar de aceitar dívida grega como colateral para ceder liquidez ao sistema financeiro. Argumentando, pasme-se, com a perspectiva de que não vai ser concluída a próxima avaliação da troika. Se existiam dúvidas, já todos percebemos. No euro ninguém quer resolver a crise, quer mostrar que tem razão no modelo que está a aplicar. E que as coisas ou são feitas à sua maneira ou seremos todos castigados. É triste, mas este é um exemplo de que a Europa da cultura e do pensamento livre, que procura as melhores soluções para os problemas dos seus cidadãos, acabou.

No mesmo dia em que o ministro das Finanças grego esteve no BCE em Frankfurt e um dia antes de se encontrar com o todo-poderoso ministro alemão das Finanças, o BCE resolve apertar o Governo grego, há menos de duas semanas em funções, sabendo perfeitamente que a sua decisão apenas vai agravar a tendência já instalada de fuga de depósitos da Grécia. Atirar lenha para a fogueira foi o que fizeram os governadores dos bancos centrais da Zona Euro. Agravaram a crise grega.

A estratégia ditada seja lá por quem for – Angela Merkel? Tecnocracia de Bruxelas ou de Frankfurt? – vai acabar com a moeda única. Haverá um povo dos muitos povos europeus que acabará por preferir os horrores de sair do euro a continuar a assistir a este assassínio da alma da construção europeia e da democracia. Quem está à frente da Europa deixou de gostar dos seus companheiros europeus e mais cedo ou mais tarde vamos todos pagar caro por isso. Não se iludam os que pensam que ficaremos melhor sem a Grécia, ou sem Portugal, ou sem a Espanha, ou sem a Itália. A União Europeia está a cavar a sua sepultura e a promover o nascimento dos extremismos. O BCE só tem desculpa se tiver feito o que fez para forçar os políticos a mudarem de estratégia. Vamos ver.»

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