Este blogue é uma extensão de Entre as brumas da memória.

sábado, 8 de novembro de 2008

Edmundo Pedro (Público, 8/11/2008, pp.12-13)

Aparelho do PS "esvazia a participação dos militantes"08.11.2008, Maria José Oliveira e São José Almeida

O rapaz que inaugurou o Tarrafal esteve preso várias vezes. Edmundo Pedro mantém a coragem. E quer explicações sobre o 25 de Novembro

Edmundo Pedro, descendente de uma linhagem de resistentes antifascistas, iniciou a sua luta política nos primeiros anos do Governo de António de Oliveira Salazar. Tinha 13 anos. Desde então, não deu tréguas ao combate contra o regime autoritário de Salazar e de Marcelo Caetano - aos 16 anos foi preso pela primeira vez (esteve no Aljube e em Peniche); a segunda detenção aconteceu em 1935 e prolongou-se até 1945 (em 1936 foi inaugurar, juntamente com o seu pai, Gabriel Pedro, o Campo do Tarrafal, em Cabo Verde, de onde tentou organizar uma fuga); e entre 1962 e 1965 viveu novamente encarcerado, na sequência do Golpe de Beja.

Depois do 25 de Abril continuou a lutar pela consolidação da democracia, apesar de ter sido preso durante seis meses. Ainda hoje o faz.

Porque continua "fiel às ideias" que enlevaram a sua juventude - "nunca perdi a inspiração da juventude" - e porque quer batalhar contra o "clientelismo" e contra o "aparelhismo" que tomou conta do seu partido, o PS, ao qual aderiu em 1973, depois de ter abandonado o PCP em 1945 e feito um "corte radical com o projecto marxista" na sequência da invasão e ocupação pela URSS da Checoslováquia, em 1968. "Aí percebi tudo. A liberdade era algo fundamental."

Edmundo Pedro completa hoje 90 anos - a celebração será num almoço de amigos, no Espaço Tejo, em Lisboa - e o seu discurso confirma que não perdeu o espírito resistente nem a intrepidez que emergiram nos seus anos de juventude. Pedro pugna hoje por tentar "modificar as coisas" no PS. Enquanto militante histórico dos socialistas, olha para o partido com muito pessimismo e algum desalento. "É um aparelho de funcionários", começa por definir.

"Há um aparelho que esvazia a participação dos militantes, que se auto-reproduz porque tem o poder de distribuir lugares, tem o poder do poder." Perante isto, admite que é "difícil" alterar a estrutura socialista. E recorda os anos em que as palavras "participação política" tinham um outro significado: "Apareciam militantes generosos que se entregavam com convicção àquilo que o partido representava e ao seu papel na sociedade, e hoje já não é assim - a maior parte procura o seu furo".

Desgostado com o peso do "aparelho" no interior do PS, Edmundo Pedro votou em branco nas recentes eleições para as federações socialistas. "Fui votar, mas em branco", diz, denotando que não tinha outra alternativa.

Também o estado do país o deixa insatisfeito. "Esperava mais da democracia", aponta, frisando que o Governo PS "substitui-se à direita" e fez avançar medidas que "talvez não fossem necessárias e que descredibilizaram o partido".

"Maltratado" pelo PCP

As críticas de Edmundo Pedro não se restringem ao PS. Também o PCP, partido a que pertenceu desde muito jovem, não é poupado a acusações. Que arrastam consigo fortes críticas ao país. "O PCP tem ainda algum peso por causa do subdesenvolvimento do país. Não tenho dúvidas sobre isso", afirma, arguindo que uma democracia "só pode evoluir e tornar-se autêntica se o nível cultural e a participação do povo forem elevados".

Notando que o PCP é "um caso único na Europa", devido aos seus resultados eleitorais, Edmundo Pedro diz que "a base do PCP é gente que não pensa, não critica, não observa e está fanatizada".

Os primeiros indícios de uma eventual cisão com o PCP aconteceram quando Edmundo Pedro estava preso no Tarrafal e foi suspenso por dois anos por ter tentado fugir da colónia penal: "Fui bastante maltratado pelo partido". "Isto foi um trauma difícil de calcular. Só quem está dentro do partido, quem sente que está a desempenhar um papel altamente importante, alguém que sente que está na vanguarda da luta por um mundo melhor, que se dedica inteiramente a essa ideia e que está disposto a morrer por ela... E depois apanhei com aquela suspensão..."

Apesar dos golpes que sofreu, vindos do PCP (detalhadamente explicados no seu livro Memórias - um combate pela liberdade), Edmundo Pedro foi sempre "fiel às ideias de uma democracia completa". Ao contrário de Álvaro Cunhal, que, "ao longo do tempo, evoluiu para um projecto que não tinha nada a ver com isso". E não o surpreendeu a multidão de milhares de pessoas que acompanharam o funeral da figura mais emblemática do PCP, em Junho de 2005.

"Ele fez o testamento para o seu funeral. Queria que fossem todos os camaradas e mais ninguém. Ao dizer isso, apelou, implicitamente, a uma mobilização geral. Foi uma coisa fabulosa preparada por ele. Quando a burguesia nacional perdeu o 'cagaço' do PC, via Cunhal como o homem mais coerente do país. Transformou-se no símbolo da honestidade e da coerência. É um fenómeno curioso."


À espera da retractação de Eanes, 33 anos depois

08.11.2008 Três décadas depois de ter passado indevidamente seis meses preso, em 1978, por se ter disposto a dar a cara pela defesa da democracia em 1975, Edmundo Pedro espera hoje ouvir Ramalho Eanes reconhecer que lhe deu armas nas vésperas do 25 de Novembro e explicar o seu destino.

É com expectativa que garante que Eanes, antigo Presidente, vai estar no almoço e que lhe prometeu esclarecer e assumir a história das armas que o levaram à prisão. Outro discurso que aguarda é o de Vasco Lourenço que, à época dos factos, desconhecia a verdadeira origem das G3 que estavam na posse de Edmundo Pedro. Uma história que o próprio recorda com amargura ao PÚBLICO.

"Aqui, em minha casa, ele [Eanes] prometeu entregar-me 150 metralhadoras G3 no caso de a situação política evoluir para algum confronto", afirma Edmundo Pedro, prosseguindo: "O Manuel Alegre era o responsável político pela segurança do partido [PS] e eu, junto dele, era o responsável operacional. Tinha feito um levantamento dos militares, muitos oficiais, sargentos, cabos, que tinham experiência de guerra por terem vindo do Ultramar e eram cerca de 150 pessoas. O Eanes perguntou-me: 'Com quantas pessoas é que se pode contar no caso de confronto com a extrema-esquerda e vocês poderem desempenhar um papel junto das Forças Armadas?'. Eu disse-lhe: '150 homens'. Então, disse ele: 'Eu garanto-lhe 150 armas".

Na noite de 25 de Novembro, Pedro recebeu a indicação "para ir a Cascais buscar aquelas armas". Levava consigo "quatro ou cinco pessoas, um carro e intercomunicadores"; dirigiram-se ao CIAC de Cascais". Aí, após a apresentação de senhas, "um jipe saiu com as armas" e seguiram "até Bicesse, perto do Estoril". Relata Pedro: "Entrámos numa vivenda com um corredor que ia ter a uma garagem. E nessa vivenda fez-se o transbordo das armas. Trouxemos as armas para Lisboa, embora algumas tenham ficado logo em Cascais".

Três anos mais tarde, quando a democracia seguia o seu rumo, e Edmundo Pedro era presidente da RTP, deputado com mandato suspenso e membro do Secretariado do PS, foi preso no armazém de uma empresa de componentes de electrónica em Almada, propriedade de uma firma de sua mulher. Fora procurado pelas autoridades em Lisboa.

Quando percebeu o que se passava, dirigiu-se ao armazém para entregar as armas e assumir a verdade. Foi preso em flagrante delito e ficou detido seis meses até se esclarecer a situação. Para os jornais, a história que passou foi a de que tinha sido apanhado também por contrabando de electrodomésticos. E conclui: "As armas acabaram por não ser necessárias. Mas o que complicou a minha situação foi que o Eanes encobriu".

"Na altura ninguém assumiu a proveniência das armas por razões políticas", afirma, explicando: "O Vasco Lourenço é que foi o responsável operacional do 25 de Novembro, não foi o Eanes. O Eanes agiu sob a direcção do Vasco Lourenço. (...) Havia essa tensão [entre eles]. E o Eanes não contou ao Vasco Lourenço sobre as armas. O Vasco Lourenço já me disse que se tivesse sabido antes eu não ficava preso nem um dia".
Foi julgado e libertado, mas sem que ninguém assumisse responsabilidades. "No julgamento, disse que tudo tinha sido da minha responsabilidade e não envolvi ninguém. Disse que o PS não tinha nada a ver com isso. Embora o teor do comunicado do PS tenha sido uma vergonha. Mas eu compreendo a atrapalhação - eu tinha aquela responsabilidade toda, o escândalo foi enorme. Mário Soares já confessou que isto tinha desorientado a direcção do partido."

Em tom de mágoa, diz: "Era fácil defender-me, o partido podia fazê-lo sem se comprometer". Sobre a fama que se lhe colou como uma segunda pele (o contrabando de electrodomésticos), diz: "Isso era um absurdo. Era uma empresa de electrónica pura, com uma oficina muito competente".

Quanto a Eanes, apenas afirma a sua expectativa para hoje e relata uma conversa que mantiveram sobre o assunto: "Eanes disse-me: 'Sabe, eu deixei-me influenciar por aquela campanha da imprensa'. E eu disse: 'Mas nunca houve uma única referência aos electrodomésticos por parte dos juízes. O senhor devia ter-se informado'." São José Almeida e Maria José Oliveira


Um intemerato combatente contra a Ditadura

08.11.2008, Mário Soares Sou suspeito ao falar de Edmundo Pedro porque sou seu amigo e camarada há cerca de cinquenta anos. No entanto, feita a prevenção, não quero faltar com o meu testemunho.

Edmundo Pedro foi toda a vida - desde muito jovem - um intemerato combatente contra a Ditadura e em favor da justiça social e da liberdade. Foi comunista na sua juventude - em grande parte passada no Campo de Concentração do Tarrafal - como eu também fui, era o ar do tempo, mas quando regressou à vida normal, depois de dez anos de prisão, no choque do pós-guerra e das purgas ordenadas por Estaline, nas Democracias Populares, deixou o PCP - ou foi expulso, é o mesmo - e fez uma longa reflexão, como autodidacta formado na escola da prisão e da vida, até à sua adesão ao recém--criado PS.

Durante esse tempo de travessia do deserto foi um conspirador constante contra o regime de Salazar e de Caetano, tendo participado na tentativa revolucionária de Beja - entre outras - que o levaria a outra longa prisão.

Após a Revolução dos Cravos tornou-se um dirigente do PS e bateu-se sempre em favor da Liberdade e das Boas Causas.

Na juventude dos seus 90 anos, lúcido e reflexivo sobre o futuro, publicou vários livros, entre os quais as suas Memórias, que tive a honra de prefaciar, a seu pedido.
Há ainda muito a esperar de Edmundo Pedro. Resta-me desejar-lhe - e à sua Família - saúde e actividade, na fidelidade às suas convicções de sempre.

Lisboa, 7 de Novembro de 2008


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